16/11/2009

Um Outro Fato Marcante

Há muitos anos, meus pais, minha mulher, meu filho e eu jantamos num desses restaurantes onde o cardápio está escrito num quadro-negro. Depois de uma ótima refeição, o garçom colocou a conta no centro da mesa. Eis o que aconteceu: meu pai não apanhou a nota.

A conversa continuou. Finalmente percebi. Era para eu me encarregar da conta. Depois de ir a centenas de restaurantes com meus pais, depois de pensar a vida toda que meu pai é que era o dono do dinheiro, tudo tinha mudado. Apanhei a nota e minha visão de mim mesmo mudou de repente. Eu era um adulto.

Algumas pessoas demarcam a vida em anos. Eu meço a minha por pequenos fatos, por ritos de passagem. Não me tornei rapaz numa idade determinada - treze anos, por exemplo -, mas quando um garoto entrou na loja em que eu trabalhava e me chamou de "senhor". Ele repetiu "senhor" várias vezes, olhando direto para mim. Aquilo foi como um soco: era comigo! De repente passei a ser um senhor.

Houve outros fatos marcantes. Os policiais da minha juventude sempre me pareceram grandes, enormes até, e, naturalmente, eram mais velhos do que eu. Até que um dia, num instante, percebi que eles não eram nada disso. Na verdade, alguns eram garotos - e pequenos. Chegou o dia em que me dei conta de que todos os jogadores de futebol da partida a que estava assistindo eram mais novos do que eu. Eram apenas garotos altos. Com tal fato marcante foi-se embora a fantasia de que um dia, talvez, eu também pudesse me tornar um jogador de futebol. Mesmo sem jamais ter alcançado a montanha, eu a tinha transposto.

Nunca pensei que chegaria a cair no sono vendo televisão, como meu pai fazia. Agora, sou ótimo nisso. Nunca pensei que iria à praia sem nadar. E acabei de passar o verão todo no litoral sem entrar na água uma só vez. Nunca pensei que apreciaria ópera, mas agora a combinação de voz e orquestra me atraem. Nunca imaginei que ia preferir ficar em casa à noite, mas agora me vejo recusando convites para festas. Considerava estranhas as pessoas que observavam pássaros, mas nesse verão me peguei fazendo a mesma coisa. Acho até que vou escrever um livro a respeito. Anseio por uma convicção religiosa que jamais imaginei querer e sinto uma proximidade com antepassados que já partiram há muito tempo. E o mais incrível é que, nas discussões com meu filho, repito os argumentos de meu pai - e ainda saio perdendo.

Um dia, comprei uma casa. Um dia - que dia! - tornei-me pai e, não muito depois disso, paguei a conta no lugar de meu pai. Imaginava que esse dia tinha sido um rito de passagem para mim. Mas, depois, já um pouco mais velho, compreendi que fora para ele também. Um outro fato marcante.

RICHARD COHEN

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